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Foto do escritorDavid Costa

A utopia da perda de gordura localizada

Há muito que surgiu no mundo do fitness o mito da perda de gordura localizada. Sendo um dos objetivos mais procurados por quem se move pela estética, especialmente o público feminino, várias são as “zonas problemáticas”: abdominal, coxas, zona posterior do braço (o eterno adeus)!

Importa desde já esclarecer que essas são, usualmente, zonas de maior deposição lipídica na mulher (forma ginóide); ao passo que, no homem, por norma, é na zona abdominal que existe uma maior concentração de gordura (forma andróide).

Daí até aparecerem os “especialistas” em resolver estas situações, foi um ápice, apresentando-se sempre com vários anos de experiência, múltiplos casos de sucesso e, o eterno “eu era assim” (com umas gordurinhas a mais) “e, agora, sou assim” (modelo de perfeição, um verdadeiro adónis/vénus). Muito prometem e cobram, sempre com o foco do processo centrado na SUA ação, demitindo-SE do insucesso. Ora, logo aqui emerge uma contradição: se é o ALUNO quem procura ajuda, se se trata do corpo do ALUNO, então porquê dar o exemplo de SI PRÓPRIO?! (não sei a resposta, sinceramente).

Mas deixemos de lado esses gurus, esses aproveitadores, esses trapaceiros, esses “mestres da ilusão”, enfim, esses pseudo-profissionais de “cenas”. Abordemos os factos, o que a ciência nos diz (curto e direto): a busca por tal milagre é uma utopia, uma ilusão, um mito. É fugazi. Vejamos o porquê.

Antes de mais, importa clarificar que massa muscular e massa gorda são tecidos distintos. Tal como a água e o azeite, não se misturam, não se transformam um no outro, são independentes.

Até aos dias de hoje e (provável e infelizmente) talvez para sempre, a analogia de “quando sentes o músculo a queimar, é a gordura a derreter foi passada nas salas de exercício pelo mundo fora, quer pelos próprios profissionais que lá trabalham, quer pelos “alunos-professores” (aquele exemplo típico do utente que vai para o ginásio e começa a prescrever treinos a toda a gente, porque conhece “os melhores exercícios”). Ora, essa assunção é simplesmente disparatada e parva.

Sim, é verdade que, apesar de serem tecidos distintos, eles se relacionam (tal como tudo no nosso corpo), na medida em que ambos poderão ser utilizados como substrato energético para nos movermos, logo, para nos exercitarmos (entre outras coisas). Mas não assumem uma relação de causa-efeito como se procurou (e se procura) passar aos clientes.

Assim, o nosso organismo irá gastar calorias quer durante a prática de exercício físico (para executar as várias tarefas), quer após o treino (para recuperar e restabelecer as suas reservas energéticas). E sim, nesta última fase o metabolismo lipídico tem uma ação primordial, visto ser o principal substrato energético a ser metabolizado. Mas isto de uma forma geral e sistémica.

Foi através do enviesamento do descrito acima que o mito surgiu. O pensamento terá sido algo do género: se as gorduras são utilizadas para restabelecer as reservas energéticas, então se eu treinar uma zona em específico, as gorduras aí presentes irão ser utlizadas prioritariamente, logo, essa zona irá diminuir o seu perfil lipídico. Ora, uma mensagem de alerta para quem pensa que descobriu o pote de ouro no final do arco-íris: esse argumento não é válido, uma vez que incorre numa falácia de inversão causal.

O que realmente acontece é que o nosso organismo irá metabolizar as gorduras de uma forma global. E como é que este processo acontece? De uma forma extremamente redutora e simplificada, o nosso organismo quebra moléculas de gordura (triglicerídios), em sub-unidades mais pequenas (ácidos gordos e glicerol), lançando-as na corrente sanguínea, de forma a serem utilizadas como combustível energético pelo sistema muscular (e não só), sendo este processo sistémico e não local.

Não irei abordar mais este conjunto de processos complexos, sob pena de não conseguir passar uma descrição percetível para o leitor, mas deixo esta ideia, este quadro geral do que realmente acontece: 1) tecido muscular e tecidos adiposo não são tecidos inter-transformáveis e 2) treinar (“queimar”) uma zona do corpo não implica que a gordura armazenada nessa zona seja utilizada.

Então isso quer dizer que não há solução? Que, uma vez flácidas, essas zonas irão ser sempre flácidas? Claro que não é isso que estou a dizer! Aliás, a solução não sou eu que a trago; essa já foi descoberta há muito tempo: dedicação e consistência no treino, na alimentação e no descanso.

Pense no seu objetivo como se estivesse a tirar uma foto utilizando um tripé: nunca irá conseguir que o tripé esteja de pé se lhe faltar uma das pernas, nem nunca irá tirar uma foto nivelada caso o tripé esteja desequilibrado.

Isso significa que cada um é o que é, com as suas características, particularidades, forças e debilidades. Em vez de procurarmos ser como aquele(a), devemos antes procurar ser o melhor de nós.

Qual o melhor exercício/treino?, qual a melhor dieta alimentar?, quantas horas deverei dormir?. Todas estas questões têm a mesma resposta: depende. De quê? Da pessoa que está sob a lupa de observação. Cada um destes apoios (voltando à analogia do tripé) estará dependente das características, particularidades, motivações, capacidades (físicas e mentais), gostos, rotinas (emprego, vida familiar), enfim, a lista é infindável, mas com um denominador comum: o indivíduo.

Mas abordando a questão do treino (que é a única acerca da qual eu poderei realmente tecer algum tipo de comentário), acima de tudo, este deverá perseguir dois objetivos: 1) assegurar, em conjunto com a alimentação, um défice energético (ou seja, gastar mais calorias do que aquelas que são ingeridas); 2) fortalecer todo o sistema neuro-músculo-articular (através de um balanço positivo entre treino-nutrição-descanso), permitindo ao indivíduo evoluir. Através de todo um complexo e longo processo (mais ou menos, dependendo da pessoa em causa), poderá então ser possível diminuir a massa gorda e aumentar a massa muscular, atingindo o tão perseguido objetivo.

Para finalizar, resta-me então apenas apontar os gold standards, as dicas para um corpo perfeito (sem guruísmos ou coaching motivacional):

1. O teu corpo é o teu, não o de outra pessoa qualquer;

2. Foge de quem te disser que o teu objetivo é fácil de alcançar, que é um especialista nessa matéria (salvo se for também cirurgião estético!);

3. Aconselha-te com quem trabalha de perto contigo, pois ele(a), mais do que ninguém, irá conhecer a tua individualidade;

4. Interioriza que é um processo progressivo e individualizado;

5. Interioriza que é um processo intemporal (não é uma etapa, é uma forma de estar e viver).

6. Treina, alimenta-te e descansa (quanto de cada? eis a verdadeira questão).

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